Poèmes pour la journée d’hommage aux déserteurs du 25 avril 2015

Cette sélection de poèmes a été établie par Dominique Stoenesco et est le reflet, par l’écriture, des deux jours organisés par l’association Mémoire Vive/Memória Viva en « hommage aux déserteurs » de la guerre coloniale portugaise (1961-1975). ************************************************************************************* MANUEL MADEIRA (« Já cá não está quem falou”, Éd. L’Oeil étranger, Paris, 2012) Aviso a quem não os espera Como avisar aqueles subjugados pela tentação de sucumbir a “perigos e guerras esforçados” que continuam obstinados, a lutar por terra e por mar, na doce cegueira de redescobrir novos e utópicos paraísos, que nunca existiram, para além da mítica Taprobana.   Honrando bandeiras manchadas de sangue e vulgares emblemas de metal brasonados.   Pobres vítimas de impérios desfalecidos na bruma dos séculos.   Heróis de imundos bairros de lata herdeiros de safados mitos bolorentos que lhes vacinam o futuro com a subtil “dioxina” dos hinos às grandes descobertas do glorioso povo aventureiro. Mesmo quando estou cá, estou lá   Nasci em Estremoz – alva cidade do Alto Alentejo – a cinco de Agosto de 1936.   Nove anos antes de cair sobre Hiroshima uma bomba atómica.   A minha infância evoca-me um dia de ceifa e de vento Suão.   Seco e sem pão,   entretanto:   nas oliveiras amadureciam azeitonas e no forno cozia o pão.   Graças às rijas promessas paternas perdi gosro à vida e à Pátria   – tão habituada a enjeitar os seus filhos –   desprezei o passado glorioso   (feito de crimes e de miséria)   e fugi lá pra fora ganindo como cão mal tratado à procura de abrigo. Para mim…   Para mim não houve ouro do Brasil nem especiarias da Índia nem Algarves de ternuras nem pastéis de nata de Belém   Para mim não houve nada, nem ninguém… nem mesmo a ilusória crença do possível regresso do Rei Dom Sebastíão que eu nunca esperei em Belém. LIBERTO CRUZ (“Jornal de campanha”, Ed. Peregrinação, 1986)   Meu irmão sem armas, meu amigo: aqui te deixo morto, sob esta pedra, como dantes deixavam os velhos. Irremediavelmente.   —   Vermelha terra, estranha gente, homens nossos irmãos. Quando acabará este teatro-em-drama e recolherei a casa? Onde ? Como? Quando?   —   Já viste um jovem morrer? Acaso esqueceste o brilho dos seus olhos?   —   Emigrar, desertar, ou ficar emigrante desertor?   —   Onde estão os escritores do meu País, Ó António Nobre, que nada escrevem sobre esta guerra?   —   O Furriel: “dizem que em Portugal não há liberdade. É mentira. Por exemplo, se aparecer um tipo qualquer na rua a gritar Viva o Salazar, Viva o Salazar, ninguém o prendre”.   —   Um civil, campeão de liberdade, escritor, jornalista e tudo, vendo-me regressar inteiro da guerra: “você está óptimo, não lhe aconteceu nada”. Será que os manuais não os ensinam a ver por dentro?   —   Uma novidade: a partir de agora alguns pais vão passar a receber no dia 10 de Junho, no Terreiro do Paço, uma medalha em troca dos filhos. ANGÉLIA DA ASCENSÃO V. GONÇALVES PINTO (“Antologia do Círculo dos Poetas Lusófonos de Paris”, Éd. Lusophones, Paris, 2004) Pourquoi? Pour qui?   Va faire ton devoir; Vas-y p’tit gars. Apprendre jusqu’au soir À être un soldat ?   Tu vas partir loin de ta maison, Apprendre le tir, Manier le canon, Un char conduire, Piloter un avion Ou un grand navire… Tu seras, mon garçon, Face à l’ennemi ! Tu feras la guerre… Pourquoi ? Pour qui ? Laissant ton père et ta mère !   La bataille bat son plein, Tu ne fais que tirer ; Et ton cœur en ton sein Ne fait que pleurer…   Quel est ce devoir Qui demande de tuer, Défendre un territoire Jusqu’à ta vie donner ? Et ta jeune existence Terminant un « beau jour » Tuant l’espérance De vivre dans l’Amour !   Pour de grandes nations Avides de pouvoir et puissance La vie d’un garçon : « Quelle est l’importance ?! »   Si au lieu d’armements Ils pouvaient construire Des maisons pour les gens Qui de froid, de faim vont mourir… VIRGÍLIO JOAQUIM ANTUNES (“Saudades não pagam dívidas”, éd. L’Oeil étranger, Paris, 1980) A Ilíada do Virgílio (extraits)   A vinte e nove de fevereiro A minha terra abandonei Não desejo ao meu inimigo Os martírios qu’eu passei ….. E depois de todos juntos Multiplicou a aflição Entrámos 27 homens Para dentro de um camião …… Pão seco foi o que nos deram E chouriço a acompanhar Quem sabe se era de cão Que ninguém lhe pôde pegar ….. Ao sair do camião Quase nem sabia andar Tanto tempo encolhido Deu quase para engamear …… Neve com mais d’um palmo d’alto Lá vão os desventurados Subindo e descendo serras Emigrantes desgraçados ….. Seguimos então o guia E as boas falas que nos deu E numa casa mui grande Lá para dentro nos meteu ….. Às três e meia da tarde A Paris fomos parar Era tal o movimento Não conseguimos desembarcar …… Não julguem qu’em França os frangos* Se apanham no capoeiro É num deserto ou a voar Olho vivo e pé ligeiro ….. Não é abanar uma árvore E encher um saco de caça Para arranjar dois tostões Sabe Deus o que se passa.   * Jeu de mot avec “francos” JOSÉ TERRA (“Obra poética”, José Terra, Ed. Modo de Ler, Porto, 2014) Poemas da noite longa 1. Amor! amor!, a caminhada é dura E não tem fim este deserto imenso, Em vão os olhos tapas com o lenço E abafas teus suspiros de amargura.   Além de mim, de ti, da noite escura Dos teus cabelos, desse abismo intenso Do teu olhar, fica um nevoeiro denso De incertezas, de medos, de tortura.   Mas nós caminharemos lado a lado, Teu ombro no meu ombro e a fronte erguida, Abrindo nosso peito ao vento norte.   Sob as estrelas e o luar vidrado, Semearemos cânticos de vida Sobre os campos gelados pela morte.   2. Ergueremos pendões nas cidadelas, Dos nossos braços fugirão revoadas De aves cantando as asas resgatadas, E eu beijarei essas espáduas belas.   Amansará a raiva das procelas, E falarão as pedras das calçadas, E as grilhetas e as virgens desfloradas E o mar e a luz e os ventos e as estrelas.   E veremos crescer o girassol, Derruírem castelos de vaidades, Poveiros a saudar o sete-estrelo.   Sobre nós dois há-de raiar o sol, Aos nossos pés hão-de florir cidades, Cantarão rouxinóis no teu cabelo! Insegurança Tenho medo de ti, ó meu irmão, Dessas palavras mansas tenho medo, Se até as pedras ouvem o segredo Guardado nos confins do coração …   Tenho receio, amor, dessa canção Que tu me cantas, desse teu enredo Será teu corpo a nau para o degredo. Teus braços nus a grade da prisão?   Minha mãe! minha mãe! não te confio O meu destino e é vão esse teu pranto! Não trairás acaso o filho amado?   Não me conheço nessa voz que rio, Espreitam-me os assassinos, e, no entanto, É um criminoso o que ficar calado! Juramento   Pelos meninos nus que apodreceram Ao frio e à fome, à boca das aldeias, Pelos mendigos, pelas mães plebeias Chorando sobre os filhos que morreram!,   Pelos homens sem pão que enlouqueceram, Pelos anhos nos dentes de alcateias, Pela raiva que corre em minhas veias, Pelos heróis que os fornos derreteram!,   Pelo meu pensamento agrilhoado, Pelos que choram, pelos que batalham, Pelas crianças rotas na orfandade!,   Pelo direito do homem esmagado, Pelos que sofrem, pelos que trabalham, – Eu gritarei teu nome, ó Liberdade! ANTÓNIO TOPA (“O fio da palavra”, Ed. ACAP 77, Dammarie-les-Lys, 1993) Da palavra   A palavra subtil me limita e me transcende é minha enxada é meu pão e é meu canto   a palavra dia a dia mais concreta vai subindo é andaime quase estrutura mais andaime é edifício   ou é caminho de fuga a palavra que me dói hoje degredo amanhã esperança O futuro   vou por dentro da noite despenteado nu   sorrio dou a mão às estrelas enquanto caminho e como laranjas   mas não vou só   comigo vão sombras e vozes Ouvindo uma mãe no casamento do seu último filho emigrante no Luxemburgo   Amar os campos e o homem parir os filhos para o estrangeiro e   esperar que a terra se abra para enterrar o que resta. Lugar de guerra   “Les mois ne sont pas longs ni les jours ni les nuits. C’est la guerre qui est longue ».             Apollinaire     1. entre espadas altas sombras um lugar de guerra um lugar de morte lentamente pelo corpo   2. dois são os pulsos abertos em cada navio pelo mar dois são os olhos de pedra vendo os vivos amigos tecendo suas lágrimas como cordas grossas cordas e com os cabelos em chamas   3. chegam cartas e são facas pelas artérias do sonho tiros violentamente sobre a barriga da paz   chegam cartas vão navios e é tempo de cantar erguendo a voz e os punhos contra esta capa de sono contra esse céu coberto de armas   chegam cartas caixões navios soldados que foram homens vêm hirtos e de cal trazem os olhos furados   quem os conhece amigos os amigos agora de silêncio e cal? Histórias da história   Ontem hoje quem a história faz sabe-lhe o amargo gosto   ontem hoje pedalando pedalando pesadas bicicletas de sono e ódio dos carvalhos para o porto   ontem hoje às quatro ou às cinco da manhã pedalando pedalando dos carvalhos para o porto ou de grijó ou de sandim pedalando pedalando pesadas bicicletas de sono e ódio ou a pé carregando a vida e a marmita carregando o ódio   ontem hoje pesados comboios atravessando a espanha para alimentar as fábricas da europa e no metro de paris carregando um sonho antigos camponeses ontem   hoje operários apressados que a indústria e a europa reclamam e trituram   ontem hoje paris país proletário é já a pé quando se deitam os senhores   ontem hoje paris camponeses do minho ou da beira-baixa não de enxada às costas nem pedalando pesadas bicicletas de sono e ódio mas correndo correndo loucamente atrás dum sonho antigo ou do primeiro metro que lá vem arrastando triturando outros homens outros sonhos   ontem hoje do minho a paris quem a história faz sabe-lhe o amargo gosto   ontem hoje quem estas pedras levanta e em silêncio come as pedras que levanta sabe o gosto e o amargo da história   ontem hoje mas hoje amanhã amanhã futura muralha de gente invencível caminhando com força e alegria ao assalto do céu   amanhã hoje.

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